O Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) abriu investigação contra 19 ex-prefeitos e outros 117 agentes públicos por suspeita de irregularidades na transição de governo após as eleições de 2024. Uma força-tarefa foi criada para mapear, monitorar e apoiar a sucessão municipal entre o fim de 2023 e a posse dos novos gestores em 2024. Apesar das orientações para evitar condutas ilegais, foram identificados quase 100 desvios de conduta em 21 municípios.
A ação faz parte do projeto “Transição Responsável”, que acompanhou de perto os 93 municípios com troca de gestão, com o objetivo de assegurar que os novos prefeitos assumissem com serviços essenciais em funcionamento e informações administrativas preservadas. Nos casos com indícios mais graves de irregularidades, o TCE-CE iniciou investigações mais profundas.
Segundo o diretor de Fiscalização de Atos de Gestão I, Cristiano Goes, após mapear os municípios com mudança de administração, o TCE-CE passou a monitorar possíveis obstáculos ou irregularidades na transição. Quando identificadas condutas anormais, equipes realizaram fiscalizações in loco. Ao todo, foram feitos 17 procedimentos presenciais em municípios considerados de maior risco, abrangendo também a preservação de dados, a continuidade de serviços e atividades administrativas e a gestão do patrimônio público.
“Em alguns casos, fizemos as inspeções presenciais, estivemos nos municípios e encaminhamos recomendações e determinações para as novas gestões, porque elas já estão nos mandatos, então fazemos recomendações para que os mesmos problemas não se repitam no futuro”
Cristiano Goes
Diretor de Fiscalização de Atos de Gestão I
As irregularidades mais recorrentes foram:
- Descumprimento de obrigações relativas à transição;
- Inadimplência ou atraso de pagamentos a prestadores de serviços;
- Término de contratos sem renovação;
- Interrupção de serviços e falta de insumos essenciais;
- Dificuldades de acesso ou vulnerabilidade de dados;
- Atrasos em folhas de pagamento e encargos;
- Insuficiência de recursos;
- Falta de recebimento de bens patrimoniais.
Como destacou Cristiano Goes, essas condutas têm impacto direto na população, causando atrasos no pagamento de salários de servidores, suspensão de atendimentos hospitalares, interrupção da coleta de resíduos e outros problemas semelhantes.
“Para as situações mais críticas, abrimos representações com base no que observamos nas inspeções ou em fatos posteriores identificados. Atualmente, temos 25 representações abertas contra gestões de 21 municípios para apuração. Os gestores serão convidados a apresentar suas defesas; em seguida, avaliaremos se serão acatadas ou se o processo seguirá. Depois, o caso será encaminhado ao relator, o Ministério Público será convidado a se manifestar e, por fim, o relator emitirá seu voto”, explicou Goes.
Como ressaltado, ao final da investigação, nos casos mais graves, o TCE-CE encaminha os resultados ao Estado e ao Ministério Público, além de utilizá-los como base para futuras análises de contas de governo. A rejeição dessas contas pode acarretar a inelegibilidade dos gestores públicos.

As penalidades aplicáveis incluem multas, especialmente em infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal, podendo atingir até 30% do vencimento anual do agente responsável.
O município de Caucaia foi o que apresentou a maior quantidade de irregularidades na transição de governo, sob a gestão do ex-prefeito Vitor Valim (PSB). O TCE-CE apontou atrasos no pagamento de servidores, débitos com concessionárias de água e energia, inadimplência com fornecedores de medicamentos e insumos hospitalares, além do uso indevido de recursos. Essas falhas resultaram em suspensão de serviços essenciais, desabastecimento e dificuldades no atendimento de programas sociais.
Em Fortaleza, o ex-prefeito José Sarto (PDT) também está entre os investigados. O fim de sua gestão foi marcado por crises graves, especialmente na Saúde, com atrasos no pagamento de fornecedores e falhas na preservação de informações administrativas.
Apesar da concentração de fiscalizações na capital, os casos mais críticos ocorreram no Interior, como em Cascavel, onde o TCE-CE incluiu o maior número de investigados. As apurações envolvem ex-secretários, gestores de unidades administrativas, membros da equipe de transição e o ex-prefeito Tiago Lutiani Ribeiro, totalizando 19 agentes públicos citados. Entre os problemas identificados estão pagamentos antecipados sem liquidação, atrasos em obrigações previdenciárias e falhas na manutenção de informações e bens patrimoniais.
Embora tenham sido constatadas irregularidades, o TCE-CE considera que o acompanhamento mais próximo da transição representou um avanço em relação a anos anteriores. Segundo Cristiano Goes, a atuação preventiva evitou que novos gestores recorressem ao decreto de “emergência administrativa”, medida frequentemente usada em prefeituras “quebradas” para justificar contratações diretas sem licitação, muitas vezes irregulares.
Em anos anteriores, como em 2017, a decretação generalizada de emergências levou a uma “profusão de contratações” sob suspeita, resultando em 102 processos instaurados pelo então Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). Agora, com a fiscalização iniciada ainda no fim do mandato anterior, o TCE-CE reduziu riscos de descontinuidade dos serviços e incentivou maior transparência na sucessão governamental. “Tivemos apenas quatro ou cinco neste ano, muito abaixo de anos anteriores, em que eram decretados em praticamente todos os municípios”, afirmou Goes.
A assessoria do ex-prefeito Vitor Valim, de Caucaia, informou que ele “não foi notificado” sobre a investigação, mas que, quando for, esclarecerá todos os pontos de forma transparente e responsável, reforçando seu compromisso com a população.
José Sarto, ex-prefeito de Fortaleza, negou irregularidades na transição, afirmando que sua gestão participou ativamente dos encontros e forneceu todos os dados necessários. Destacou investimentos na Saúde e que entregou a Prefeitura com mais de R$ 630 milhões em caixa, prometendo esclarecer todas as questões perante o Tribunal no momento oportuno.
Tiago Lutiani Ribeiro, ex-prefeito de Cascavel, afirmou que sempre agiu com transparência, entregou todas as informações solicitadas pelo TCE e repassou dados completos à nova gestão. Alegou que bloqueios judiciais de cerca de R$ 14 milhões, decorrentes de dívidas antigas (de 1998 a 2011), impediram o pagamento de algumas contas, mas que isso não configura irregularidade administrativa. Ressaltou confiança na correção de sua gestão.
O ex-prefeito Nenem Coelho, de Novo Oriente, informou que a representação contra sua gestão está em fase final e que foi sugerido seu arquivamento, já que as anomalias foram sanadas e não há irregularidades que comprometam o resultado da administração.
Os ex-prefeitos de Pacajus, Bruno Figueiredo; de Crateús, Dr. Nenzé; e de Canindé, Rozário Ximenes, disseram não terem sido notificados pelo TCE-CE. O ex-prefeito de Pacajus conhecido como Faguinho optou por não comentar as suspeitas.
Os ex-prefeitos João Luiz Lima Santos (Campos Sales), Lindbergh Martins (Jijoca de Jericoacoara), João Bosco Pessoa Tabosa (Pentecoste) e Marcelo Ferreira Machado (Crateús) foram procurados, mas não responderam.
Também não deram retorno os ex-prefeitos Taiano (Tarrafas), Rafael Ferreira Ângelo (Penaforte), Rafael Marques (Pacatuba), Helton Luis (Frecheirinha), Dário Coelho (Itapiúna), Antônio Almeida (Acopiara), Wanderley Nogueira (Morada Nova), Chico Abreu (São Luís do Curu) e Robério Wagner Martins Moreira (Ipu).
O ex-prefeito Tó da Guimar, de Pacajus, informou que não se pronunciará no momento. O ex-secretário da Educação de Abaiara, Herivelton Cruz Moreira — único citado no município — não respondeu ao Diário do Nordeste. A ex-secretária da Saúde de Ocara, Ruti Aires Bandeira, também única citada no município, não foi localizada.
Fonte: DN