Em 5 anos, Júnior Mano indicou R$ 117 milhões a 66 cidades do Ceará em emendas; Nova Russas lidera
O envio de recursos federais a municípios está no centro das investigações da Polícia Federal
R$ 20.811.282,00Total de emendas individuais de Júnior Mano indicadas a Nova Russas (2020-2024)
Por meio de nota, a Prefeitura explicou que todas as emendas federais destinadas ao município foram repassadas "conforme o cronograma financeiro estabelecido e executado de acordo com os respectivos planos de trabalho".
Os recursos foram aplicados em ações e obras que beneficiaram diretamente a população, com destaque para as áreas de saúde e infraestrutura. A utilização dos valores seguiu rigorosamente a legislação vigente e foi submetida à análise dos órgãos de controle. A Controladoria-Geral da União (CGU), inclusive, realizou fiscalização específica e atestou a regularidade dos investimentos
Prefeitura de Nova Russas
Nota enviada ao PontoPoder
A administração também afirmou que "os contratos foram firmados com diversas empresas após procedimentos licitatórios específicos, de acordo com a legislação vigente, para a execução de serviços previstos nos planos de trabalho e cronogramas de execuções".
O que consta na investigação
No levantamento do PontoPoder, a cidade de Nova Russas aparece como líder na destinação de emendas individuais de finalidade definida e de transferências especiais entre 2021 e 2024, época referente ao primeiro mandato de Giordanna Mano como prefeita, com pouco mais de R$ 18 milhões no período específico. Em 2021, o valor destinado a Nova Russas mais que dobra em relação ao ano anterior. Antes da gestão da prefeita, Júnior Mano chegou a ser vice-prefeito do Município, ao lado do então prefeito Rafael Pedrosa.
A investigação da PF aponta que há contratos do Município celebrados com a empresa Shekinah Construções e Locações. O proprietário é Wilson Sousa Cavalcante (PSB), vice-prefeito de Monsenhor Tabosa e um dos nomes citados no inquérito da Polícia Federal. Ele ainda não se manifestou sobre as investigações.
A peça do ministro do STF aponta conversas entre o assessor Adriano Almeida Bezerra, ligado ao gabinete do parlamentar na época das investigações, e outros atores, em municípios como Nova Russas, na qual o valor total da emenda seria negociado junto ao “pedágio” e prontamente validado.
A Polícia Federal aponta que os contratos eram "executados por empresas associadas ao grupo de Bebeto, exemplo da MK Serviços, LOCAX e Shekinah Construções. Esta última, pertencente a Wilson Sousa Cavalcante, vice-prefeito de Monsenhor Tabosa e aliado politico de Junior Mano, foi contratada na gestão da prefeita de Nova Russas, esposa do deputado, em processo questionado e noticiado em mídia desabonadora por indícios de direcionamento e superfaturamento".
Resposta da Prefeitura de Monsenhor Tabosa
Em nota enviada nesta quinta-feira (17), a Prefeitura de Monsenhor Tabosa afirmou que "os recursos provenientes das emendas parlamentares destinados ao município foram aplicados de acordo com os critérios e exigências legais vigentes". Segundo a prefeitura, "as ações resultaram em melhorias significativas nos serviços e nos equipamentos públicos, os quais já estão à disposição da população".
Confirmou ainda que os valores foram "recebidos integralmente pelo município". Além disso, foram enviados ao Governo Federal os planos de trabalho das emendas. "O plano de trabalho da emenda pix no valor de R$ 750.000,00 (setecentos mil reais), foi entregue e aprovado no sistema transfereGov. Já o plano de trabalho da emenda pix no valor de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), foi enviado e está em análise".
"Os recursos recebidos foram investidos no município da seguinte forma, 800 mil reais foram investidos para instalação de grama sintética no Estádio Municipal Valdemarzão, e sinalização das vias em torno do estádio municipal. Já os 750.00,00 mil reais, foram realizadas pavimentação asfáltica em diversas ruas nos Bairros Centro, Jucás e Bairro Manoel Jupter de Albuquerque na sede do município de Monsenhor Tabosa"
Prefeitura de Monsenhor Tabosa
Em nota enviada ao PontoPoder
Cidades com força eleitoral
Antes disso, em 2020, quem despontava no rol de emendas individuais gerais era Quiterianópolis, com R$ 3.967.169,00. Mas Nova Russas vinha logo em seguida, com R$ 2.015.000,00. A tendência é a mesma considerando especificamente as emendas pix. Nessa modalidade, o topo do ranking ficou da seguinte forma nos últimos cinco anos:
- 2020: R$ 1.745.000,00 (Quiterianópolis);
- 2021: R$ 3.450.000,00 (Nova Russas);
- 2022: R$ 3.069.682,00 (Nova Russas);
- 2023: R$ 3.063.375,00 (Nova Russas);
- 2024: R$ 3.050.000,00 (Nova Russas).
Baixio: R$ 0;
Canindé: R$ 907.878,00;
Choró: R$ 1.000.000,00;
Madalena: R$ 0;
Mombaça: R$ 500.000,00;
Monsenhor Tabosa: R$ 2.959.787,00;
Nova Russas: R$ 20.811.282,00;
Pindoretama: R$ 3.600.000,00;
Quiterianópolis: R$ 7.412.000,00;
Quixeramobim: R$ 200.000,00;
Tabuleiro do Norte: R$ 500.000,00;
Tururu: R$ 24.570,00.
O instrumento tem ganhado atenção de órgãos como o STF, que têm intensificado a fiscalização sobre esses repasses em processos paralelos ao caso Júnior Mano. Uma das frentes adotadas pelo Judiciário é o diálogo com o Congresso Nacional para a adoção de dispositivos que promovam a transparência sobre esses recursos.
Além disso, em fevereiro, o ministro Flavio Dino, do Supremo, mandou a Controladoria-Geral da União (CGU) auditar R$ 469,4 milhões em transferências especiais a estados e municípios que não apresentaram planos de trabalho para a aplicação do dinheiro em 2024.
Isso e a prestação de contas são as exigências feitas pelo Supremo para possibilitar o rastreamento dos recursos, não só em 2024, mas também entre 2020 e 2023.
Sem plano de trabalho, cidades favorecidas por Júnior Mano mantêm pendências com os órgãos de fiscalização. É o caso de Monsenhor Tabosa, com emenda de R$ 800 mil empenhada em 2023, e de Crateús, com empenho de R$ 188.038,00 em 2021. A situação também se repete em localidades beneficiadas por outros deputados cearenses.
Baixio e Madalena
Mesmo sem receber emendas, Baixio e Madalena são citadas no inquérito da PF. O prefeito de Baixio, Lúcio Barroso (Republicanos), seria dono de uma empresa de locação de veículos que teria superfaturado e desviado dinheiro de contratos firmados com Pindoretama.
Outros elementos o ligam ao esquema de desvio de emendas parlamentares, no qual autuaria como “gestor de contratos públicos voltados ao abastecimento financeiro da organização, com destaque para os serviços de transporte escolar e locação de veículos em Quixeramobim e Tabuleiro do Norte", conforme inquérito da Polícia Federal.
Se por um lado ele estaria agindo na gestão do dinheiro lavado no suposto esquema criminoso das emendas, por outro, como prefeito de Baixio, ele não recebeu esse tipo de repasse por iniciativa de Júnior Mano durante o seu primeiro mandato.
É um caso similar ao de Madalena. Apesar de não ter sido destino de emendas de Mano entre 2020 e 2024, a cidade é citada num trecho que trata sobre pagamentos acordados com Iago Mariano Pedrosa Santana, também identificado como Yago Mano na decisão.
Ele seria "articulador financeiro da organização" e responsável por cooptar prefeituras para o esquema de desvio de recursos públicos. Em um dos casos, é citada a realização de pagamento de R$ 50 mil "oriundos da Prefeitura M, provavelmente Madalena".
A pessoa que confirma esse pagamento, identificada apenas como Karine F., "solicita instrução sobre o "imposto", ao que Maurício responde '5%'". "A sequência denota, com clareza, a sistemática de repasses ilícitos com uso de linguagem cifrada para encobrir tratativas de caixa 2", diz o inquérito.
Maurício Gomes Coelho é outra figura notável no esquema investigado. Ele é apontado como sócio-administrador da MK Serviços, Construções e Transporte Escolar, “empresa com importância central na investigação”.
O que dizem os municípios
Citados no inquérito da Polícia Federal, Canindé, Choró, Madalena, Mombaça, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Pindoretama, Quiterianópolis, Quixeramobim, Tabuleiro do Norte e Tururu foram buscados pelo PontoPoder para mais esclarecimentos. Foram questionados sobre a liquidação das emendas pelo Governo Federal, a prestação de contas e a aplicação do dinheiro. Até o momento, só houve resposta de Nova Russas e Monsenhor Tabosa
O mesmo foi feito com os municípios de Fortim e Crateús, mas também não houve retorno. Já Baixio e Madalena foram questionados anteriormente pelo PontoPoder sobre a citação na investigação. A reportagem tentou contato com as duas prefeituras, mas não teve sucesso.
O espaço também segue aberto para as pessoas citadas cuja defesa não foi localizada.
Restos a pagar
Nem só de emendas individuais os municípios cearenses foram beneficiados. Aquelas de caráter coletivo, sejam obrigatórias (de bancada) ou não, também podem ser rateadas com entes menores. Todas elas têm um prazo para empenho e pagamento. Se as transferências não ocorrerem até o fim do exercício orçamentário de referência, são inscritas como restos a pagar (RAPs).
É o caso de emendas coletivas não obrigatórias, como as de relator (RP9) e de comissão (RP8). Júnior Mano foi um dos deputados cearenses que pediram para resgatar, dessas fontes, pagamentos pendentes entre 2020 e 2023, para 12 municípios.
Entre 25 de abril e 1º de julho deste ano, ele pediu para recuperar R$ 124.063.593,44 em emendas RP9 dos Orçamentos de 2020 a 2022 e RP8 dos Orçamentos de 2023 e 2022. A solicitação foi feita à Comissão Mista de Orçamento do Congresso.
O prazo para pagamento dos RAPs foi prorrogado por decreto em 2023, valendo até dezembro de 2024. Contudo, o ministro Flávio Dino, do STF, chegou a suspender os repasses no âmbito do processo sobre a regularidade das emendas parlamentares, embaralhando os prazos.
Uma proposta relatada pelo deputado cearense Danilo Forte (União) e sancionada em março deste ano pelo presidente Lula (PT) ampliou a vigência. Agora, o prazo para liquidação de restos a pagar não processados se estende até o fim de 2026.
A lei faz uma ressalva sobre as obras e serviços financiadas com esses recursos que estejam sob investigação ou apresentem indícios de irregularidade no Tribunal de Contas da União (TCU).
O que diz Júnior Mano sobre as investigações
Em nota sobre a investigação, a assessoria do político afirma que ele não tem participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos.
"Como parlamentar, o deputado não exerce qualquer função executiva ou administrativa em prefeituras, não participa de comissões de licitação, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos."
O comunicado ainda diz que Júnior confia nas instituições, em especial no Judiciário e na PF, e reitera "o compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública".
Por fim, afirma que o parlamentar tem plena convicção de que "a verdade dos fatos prevalecerá, com o completo esclarecimento das circunstâncias e o reconhecimento de sua correção de conduta."
Fonte: DN