O município de Monsenhor Tabosa e citado pela PF mais uma vez no caso de Junior Mano

 Em 5 anos, Júnior Mano indicou R$ 117 milhões a 66 cidades do Ceará em emendas; Nova Russas lidera

O envio de recursos federais a municípios está no centro das investigações da Polícia Federal


Investigado por desvio de dinheiro público, o deputado federal Júnior Mano (PSB-CE) indicou quase R$ 117 milhões em emendas parlamentares individuais a 66 municípios cearenses nos últimos cinco anos. Ele foi alvo da operação Underhand, da Polícia Federal (PF), deflagrada na semana passada por autorização do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).


Na última semana, o PontoPoder acessou as informações no Portal da Transparência do Governo Federal. As emendas consideradas na análise foram aquelas de indicação individual, seja de finalidade definida, seja de transferências especiais – as emendas pix –, para os exercícios financeiros de 2020 a 2024. Ou seja, o período observado foi de cinco anos, justamente quando o instrumento de transferência especial passou a valer. Além disso, os valores em questão são aqueles considerados como empenhados, não liquidados ou pagos, que podem sofrer contingenciamentos pela União por diversos motivos.


O inquérito da PF aponta que interlocutores de Mano autorizariam a destinação de emendas dele e de terceiros para prefeituras previamente cooptadas, mediante exigência de retorno financeiro entre 5% e 15%, batizado de "imposto" ou "pedágio".

Esse foi um dos destaques feitos por Mendes na decisão à qual o PontoPoder teve acesso. Como o processo é sigiloso, não é possível confirmar ainda que parcela desses recursos está sob suspeita e qual a totalidade de prefeituras investigadas oficialmente pela polícia. A presença das cidades na lista de beneficiadas por envio de emendas neste levantamento não implica irregularidade.

Em nota enviada ao PontoPoder, a assessoria do deputado federal afirma que Júnior Mano "atua para garantir recursos para obras e programas relevantes para os municípios cearenses, incluindo Nova Russas". 

Diz ainda que os recursos mencionados foram aplicados em projetos de infraestrutura e promoção da saúde: "Todas as verbas enviadas pela União tiveram a aplicação devidamente analisada pelos órgãos de fiscalização. A regularidade dos investimentos foi atestada pela Controladoria-Geral da União, por meio de fiscalização específica sobre o assunto", aponta. 

Caso de Nova Russas

Até o momento, sabe-se que ao menos 12 municípios foram citados no inquérito. A maioria dos recursos, conforme levantamento, foi destinada a Nova Russas, cidade localizada a cerca de 300 km de Fortaleza, governada pela esposa do deputado, Giordanna Mano (PRD), desde 2021. 

Pelas emendas individuais do deputado do PSB, a cidade recebeu R$ 20.811.282,00 ao todo. Uma parte dessa cifra foi alocada em contratos com titularidades suspeitas, mencionados por Gilmar Mendes na decisão sobre a operação.

R$ 20.811.282,00
Total de emendas individuais de Júnior Mano indicadas a Nova Russas (2020-2024)

Por meio de nota, a Prefeitura explicou que todas as emendas federais destinadas ao município foram repassadas "conforme o cronograma financeiro estabelecido e executado de acordo com os respectivos planos de trabalho". 

Os recursos foram aplicados em ações e obras que beneficiaram diretamente a população, com destaque para as áreas de saúde e infraestrutura. A utilização dos valores seguiu rigorosamente a legislação vigente e foi submetida à análise dos órgãos de controle. A Controladoria-Geral da União (CGU), inclusive, realizou fiscalização específica e atestou a regularidade dos investimentos

Prefeitura de Nova Russas

Nota enviada ao PontoPoder

A administração também afirmou que "os contratos foram firmados com diversas empresas após procedimentos licitatórios específicos, de acordo com a legislação vigente, para a execução de serviços previstos nos planos de trabalho e cronogramas de execuções". 

O que consta na investigação

No levantamento do PontoPoder, a cidade de Nova Russas aparece como líder na destinação de emendas individuais de finalidade definida e de transferências especiais entre 2021 e 2024, época referente ao primeiro mandato de Giordanna Mano como prefeita, com pouco mais de R$ 18 milhões no período específico. Em 2021, o valor destinado a Nova Russas mais que dobra em relação ao ano anterior. Antes da gestão da prefeita, Júnior Mano chegou a ser vice-prefeito do Município, ao lado do então prefeito Rafael Pedrosa.

A investigação da PF aponta que há contratos do Município celebrados com a empresa Shekinah Construções e Locações. O proprietário é Wilson Sousa Cavalcante (PSB), vice-prefeito de Monsenhor Tabosa e um dos nomes citados no inquérito da Polícia Federal. Ele ainda não se manifestou sobre as investigações.

A peça do ministro do STF aponta conversas entre o assessor Adriano Almeida Bezerra, ligado ao gabinete do parlamentar na época das investigações, e outros atores, em municípios como Nova Russas, na qual o valor total da emenda seria negociado junto ao “pedágio” e prontamente validado. 

A Polícia Federal aponta que os contratos eram "executados por empresas associadas ao grupo de Bebeto, exemplo da MK Serviços, LOCAX e Shekinah Construções. Esta última, pertencente a Wilson Sousa Cavalcante, vice-prefeito de Monsenhor Tabosa e aliado politico de Junior Mano, foi contratada na gestão da prefeita de Nova Russas, esposa do deputado, em processo questionado e noticiado em mídia desabonadora por indícios de direcionamento e superfaturamento".

Resposta da Prefeitura de Monsenhor Tabosa

Em nota enviada nesta quinta-feira (17), a Prefeitura de Monsenhor Tabosa afirmou que "os recursos provenientes das emendas parlamentares destinados ao município foram aplicados de acordo com os critérios e exigências legais vigentes". Segundo a prefeitura, "as ações resultaram em melhorias significativas nos serviços e nos equipamentos públicos, os quais já estão à disposição da população".

Confirmou ainda que os valores foram "recebidos integralmente pelo município". Além disso, foram enviados ao Governo Federal os planos de trabalho das emendas. "O plano de trabalho da emenda pix no valor de R$ 750.000,00 (setecentos mil reais), foi entregue e aprovado no sistema transfereGov. Já o plano de trabalho da emenda pix no valor de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), foi enviado e está em análise".

"Os recursos recebidos foram investidos no município da seguinte forma, 800 mil reais foram investidos para instalação de grama sintética no Estádio Municipal Valdemarzão, e sinalização das vias em torno do estádio municipal. Já os 750.00,00 mil reais, foram realizadas pavimentação asfáltica em diversas ruas nos Bairros Centro, Jucás e Bairro Manoel Jupter de Albuquerque na sede do município de Monsenhor Tabosa"

Prefeitura de Monsenhor Tabosa

Em nota enviada ao PontoPoder

Cidades com força eleitoral

Antes disso, em 2020, quem despontava no rol de emendas individuais gerais era Quiterianópolis, com R$ 3.967.169,00. Mas Nova Russas vinha logo em seguida, com R$ 2.015.000,00. A tendência é a mesma considerando especificamente as emendas pix. Nessa modalidade, o topo do ranking ficou da seguinte forma nos últimos cinco anos:

  • 2020: R$ 1.745.000,00 (Quiterianópolis);
  • 2021: R$ 3.450.000,00 (Nova Russas);
  • 2022: R$ 3.069.682,00 (Nova Russas);
  • 2023: R$ 3.063.375,00 (Nova Russas);
  • 2024: R$ 3.050.000,00 (Nova Russas).

Mesmo assim, no universo das emendas individuais, a cidade de Giordanna segue como protagonista, já que recebeu R$ 20.811.282,00 no todo. Quiterianópolis ficou com R$ 7.412.000,00, ocupando o terceiro lugar geral. 

Entre elas, em segundo, há uma cidade que não chega a ser citada na decisão de Gilmar Mendes: Fortim, que teve empenho de R$ 9.871.000,00 nesse período.

Essas cidades abrigam o eleitorado mais fiel de Júnior Mano, tendo como parâmetro as eleições de 2022. Foram 6.566 votos (52,15%) em Quiterianópolis, 5.870 (48,14%) em Fortim e 13.312 (74,39%) em Nova Russas. 

Acumulando mais de 30% da preferência do eleitorado em outras nove cidades, ele foi vice-líder da bancada cearense na Câmara em 2022, com 216.184 votos, atrás apenas de André Fernandes (PL), com 229.384. 

Aqui, vale uma ressalva: o volume das indicações de Júnior Mano é compatível com o montante de outros parlamentares no mesmo período e com o limite que cada um tem por ano. Por exemplo, cada deputado podia indicar R$ 37.871.585,00 individualmente ao exercício passado – ele usou essa totalidade, sendo R$ 36.830.269,00 para os municípios.

Fora da rota de emendas, mas inclusas na investigação

Das 12 prefeituras cearenses citadas por Gilmar Mendes no esquema, ao menos dez receberam recursos federais por intermédio de Júnior Mano. Mesmo não sendo destinatários desse tipo de transferência federal, a participação de alguns gestores públicos e dos principais operadores do esquema varia em níveis e atribuições, segundo a PF. 

Por exemplo, os municípios de Baixio e Madalena não aparecem como beneficiados pelas emendas individuais de Mano no período observado, conforme levantamento no Portal da Transparência. Contudo, são citados no inquérito.

Em síntese, os municípios citados no despacho do ministro do STF e os valores empenhados em emendas individuais (tanto emendas pix como de finalidade definida) entre 2020 e 2024 são:

Baixio: R$ 0;

Canindé: R$ 907.878,00;

Choró: R$ 1.000.000,00;

Madalena: R$ 0;

Mombaça: R$ 500.000,00;

Monsenhor Tabosa: R$ 2.959.787,00;

Nova Russas: R$ 20.811.282,00;

Pindoretama: R$ 3.600.000,00;

Quiterianópolis: R$ 7.412.000,00;

Quixeramobim: R$ 200.000,00;

Tabuleiro do Norte: R$ 500.000,00; 

Tururu: R$ 24.570,00.

O instrumento tem ganhado atenção de órgãos como o STF, que têm intensificado a fiscalização sobre esses repasses em processos paralelos ao caso Júnior Mano. Uma das frentes adotadas pelo Judiciário é o diálogo com o Congresso Nacional para a adoção de dispositivos que promovam a transparência sobre esses recursos. 

Além disso, em fevereiro, o ministro Flavio Dino, do Supremo, mandou a Controladoria-Geral da União (CGU) auditar R$ 469,4 milhões em transferências especiais a estados e municípios que não apresentaram planos de trabalho para a aplicação do dinheiro em 2024.

Isso e a prestação de contas são as exigências feitas pelo Supremo para possibilitar o rastreamento dos recursos, não só em 2024, mas também entre 2020 e 2023. 

Sem plano de trabalho, cidades favorecidas por Júnior Mano mantêm pendências com os órgãos de fiscalização. É o caso de Monsenhor Tabosa, com emenda de R$ 800 mil empenhada em 2023, e de Crateús, com empenho de R$ 188.038,00 em 2021. A situação também se repete em localidades beneficiadas por outros deputados cearenses. 

Baixio e Madalena

Mesmo sem receber emendas, Baixio e Madalena são citadas no inquérito da PF. O prefeito de Baixio, Lúcio Barroso (Republicanos), seria dono de uma empresa de locação de veículos que teria superfaturado e desviado dinheiro de contratos firmados com Pindoretama.

Outros elementos o ligam ao esquema de desvio de emendas parlamentares, no qual autuaria como “gestor de contratos públicos voltados ao abastecimento financeiro da organização, com destaque para os serviços de transporte escolar e locação de veículos em Quixeramobim e Tabuleiro do Norte", conforme inquérito da Polícia Federal.

Se por um lado ele estaria agindo na gestão do dinheiro lavado no suposto esquema criminoso das emendas, por outro, como prefeito de Baixio, ele não recebeu esse tipo de repasse por iniciativa de Júnior Mano durante o seu primeiro mandato. 

É um caso similar ao de Madalena. Apesar de não ter sido destino de emendas de Mano entre 2020 e 2024, a cidade é citada num trecho que trata sobre pagamentos acordados com Iago Mariano Pedrosa Santana, também identificado como Yago Mano na decisão.

Ele seria "articulador financeiro da organização" e responsável por cooptar prefeituras para o esquema de desvio de recursos públicos. Em um dos casos, é citada a realização de pagamento de R$ 50 mil "oriundos da Prefeitura M, provavelmente Madalena". 

A pessoa que confirma esse pagamento, identificada apenas como Karine F., "solicita instrução sobre o "imposto", ao que Maurício responde '5%'". "A sequência denota, com clareza, a sistemática de repasses ilícitos com uso de linguagem cifrada para encobrir tratativas de caixa 2", diz o inquérito. 

Maurício Gomes Coelho é outra figura notável no esquema investigado. Ele é apontado como sócio-administrador da MK Serviços, Construções e Transporte Escolar, “empresa com importância central na investigação”. 

O que dizem os municípios

Citados no inquérito da Polícia Federal, Canindé, Choró, Madalena, Mombaça, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Pindoretama, Quiterianópolis, Quixeramobim, Tabuleiro do Norte e Tururu foram buscados pelo PontoPoder para mais esclarecimentos. Foram questionados sobre a liquidação das emendas pelo Governo Federal, a prestação de contas e a aplicação do dinheiro. Até o momento, só houve resposta de Nova Russas e Monsenhor Tabosa

O mesmo foi feito com os municípios de Fortim e Crateús, mas também não houve retorno. Já Baixio e Madalena foram questionados anteriormente pelo PontoPoder sobre a citação na investigação. A reportagem tentou contato com as duas prefeituras, mas não teve sucesso. 

O espaço também segue aberto para as pessoas citadas cuja defesa não foi localizada.

Restos a pagar

Nem só de emendas individuais os municípios cearenses foram beneficiados. Aquelas de caráter coletivo, sejam obrigatórias (de bancada) ou não, também podem ser rateadas com entes menores. Todas elas têm um prazo para empenho e pagamento. Se as transferências não ocorrerem até o fim do exercício orçamentário de referência, são inscritas como restos a pagar (RAPs). 

É o caso de emendas coletivas não obrigatórias, como as de relator (RP9) e de comissão (RP8). Júnior Mano foi um dos deputados cearenses que pediram para resgatar, dessas fontes, pagamentos pendentes entre 2020 e 2023, para 12 municípios.

Entre 25 de abril e 1º de julho deste ano, ele pediu para recuperar R$ 124.063.593,44 em emendas RP9 dos Orçamentos de 2020 a 2022 e RP8 dos Orçamentos de 2023 e 2022. A solicitação foi feita à Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

O prazo para pagamento dos RAPs foi prorrogado por decreto em 2023, valendo até dezembro de 2024. Contudo, o ministro Flávio Dino, do STF, chegou a suspender os repasses no âmbito do processo sobre a regularidade das emendas parlamentares, embaralhando os prazos. 

Uma proposta relatada pelo deputado cearense Danilo Forte (União) e sancionada em março deste ano pelo presidente Lula (PT) ampliou a vigência. Agora, o prazo para liquidação de restos a pagar não processados se estende até o fim de 2026. 

A lei faz uma ressalva sobre as obras e serviços financiadas com esses recursos que estejam sob investigação ou apresentem indícios de irregularidade no Tribunal de Contas da União (TCU).

O que diz Júnior Mano sobre as investigações

Em nota sobre a investigação, a assessoria do político afirma que ele não tem participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos. 

"Como parlamentar, o deputado não exerce qualquer função executiva ou administrativa em prefeituras, não participa de comissões de licitação, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos."

O comunicado ainda diz que Júnior confia nas instituições, em especial no Judiciário e na PF, e reitera "o compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública".

Por fim, afirma que o parlamentar tem plena convicção de que "a verdade dos fatos prevalecerá, com o completo esclarecimento das circunstâncias e o reconhecimento de sua correção de conduta." 

Fonte: DN

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