Produtos ultraprocessados têm menor custo de produção e não sofrem variação de preço por mudanças na safra ou fenômenos climáticos
As famílias mais pobres tendem a ser mais afetadas por aumentos de preços de alimentos de qualquer natureza. Em famílias de baixa renda, os gastos com alimentação representam uma parcela maior do orçamento. Quando o preço dos alimentos in natura (como arroz, feijão, legumes, frutas e carnes) aumenta, o impacto é mais severo.Vitor Hugo Miropesquisador do FGV IBRE
MENOR OSCILAÇÃO DOS PREÇOS ATRAI CONSUMIDORES
A variação dos preços dos produtos naturais e pouco processados também tem efeitos a longo prazo: pode inibir o consumo dos consumidores independentemente do preço corrente. É o que explica Ricardo Mota, gerente de inteligência da Pacto Contra a Fome.
“Essa oscilação quando ocorre de forma recorrente faz com que o consumidor olhe para esse alimento de forma mais negativa. Isso estimula a escolha de um alimento ultraprocessado, que tem um preço mais estável no tempo”, aponta.
A partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares, a organização identifica uma mudança no padrão de alimentação das famílias. O consumo de hortaliças e frutas pelas famílias registrou queda de 22,4% e 8,5% na comparação entre 2008-2009 a 2017-2018. Já os ultraprocessados cresceram a participação na alimentação de 12,6% para 18,4%.
Ricardo Mota chama atenção para a necessidade de políticas públicas que garantam a produção dos itens básicos da alimentação brasileira. Isso inclui apoiar pequenos agricultores e produções familiares, que podem se beneficiar de acesso a crédito e capacitação técnica.
“Os insumos principais dos ultraprocessados, que são a soja e o milho, são tratados como commodity e aumentam o volume da produção. Enquanto os alimentos mais saudáveis têm uma queda na área plantada. O mamão, por exemplo, teve queda de 40% na produção no último ano”, aponta o gerente de inteligência.
A Pacto Contra a Fome identifica que o movimento de alta no preço dos alimentos se intensificou em outubro de 2024, afetando de forma mais severa os alimentos saudáveis, suscetíveis aos fenômenos climáticos.
De modo geral, as carnes estão em patamar mais caro devido ao aumento no volume exportado - com o dólar valorizado, os produtores destinaram maior quantidade ao exterior. O café deve se manter com preços altos nos próximos meses, já que a oferta mundial se encontra em níveis baixos por problemas climáticos.
Em fevereiro, os itens que mais subiram de preço foram o café moído, o tomate, a cenoura e o frango. Já os itens com maior queda foram o leite e a batata, que tiveram aumento de produção devido à melhoria nas condições climáticas.
DANOS À SAÚDE E AO DESENVOLVIMENTO
Conforme o Guia Alimentar da População Brasileira, o consumo de alimentos ultraprocessados deve ser evitado devido à composição nutricional desbalanceada e com excesso de calorias.
Com açúcares, gorduras e diversos aditivos, os produtos são formulados para serem extremamente saborosos e tendem a limitar o consumo de alimentos in natura e minimamente processados. O documento também destaca que os ultraprocessados afetam negativamente a cultura, a vida social e o meio-ambiente.
Os ultraprocessados são formados de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar e amido) ou constituídas em laboratório. Como exemplo, estão biscoitos, sorvetes, balas, cereais açucarados, salgadinhos, refrigerantes, pratos prontos, salsichas e embutidos.
O guia também recomenda limitar o consumo de alimentos processados - aqueles que têm a composição nutricional alterada, como frutas em caldas, legumes em salmoura, sardinha enlatada, queijos e pães feitos de farinha de trigo.
O consumo desses alimentos contribui para distúrbios de saúde, como obesidade, pressão arterial elevada, diabetes e doenças cardiovasculares, destaca Ilana Nogueira Bezerra, nutricionista e professora do Curso de Nutrição da UECE. “Desregulam o apetite, tem impacto na microbioma intestinal e podem ter repercussões também imunológicas e metabólicas para os indivíduos”, acrescenta. Veja as trocas mais comuns:
- frutas por sucos industrializados
- arroz, feijão e carne por macarrão instantâneo ou refeições pré-preparadas
- água por refrigerante ou águas saborizadas
- sanduíches por biscoitos recheados ou salgadinhos